domingo, 20 de junho de 2010

Triste realidade

Brasília, assim como Maringá, é conhecida por ser uma cidade planejada, ambas foram criadas a poucas décadas e já apresentam diversos problemas em relação ao trânsito. A única diferença é que lá já existem grupos de ciclistas organizados e muita cobrança e envolvimento nos assuntos relacionados a mobilidade urbana, enquanto em nossa cidade a movimentação é tímida.


Transportes: o exemplo de Brasília
Publicado no Correio Braziliense de 19/6/2010

# Gustavo Souto Maior

Presidente do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal (Ibram)

Como presidente do órgão ambiental do Distrito Federal e também como cidadão que mora em Brasília há 31 anos, vejo a cidade, que é a capital da República e a única da era moderna considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, dar um péssimo exemplo no quesito transporte e mobilidade urbana.

Com apenas 50 anos de vida, Brasília está na contramão do que hoje é considerada uma política moderna de transportes nas grandes cidades e capitais do mundo, e que se resume numa frase: tirar o carro da rua. É necessário criar alternativas que estimulem o cidadão a usar o transporte coletivo e andar mais a pé e de bicicleta.

No Brasil, e também em Brasília, faz-se o contrário. Estimulam-se cada vez mais carros a entupirem nossas ruas e avenidas, facilitando a aquisição de veículos com créditos e redução de impostos e criando mais facilidades para o transporte por carro. São criadas novas pistas, duplicadas rodovias, ampliados cada vez mais os estacionamentos. Sabe-se que tudo isso são ações paliativas e temporárias, pois logo o caos no trânsito se instala novamente.

Integrei a delegação brasileira que participou da Conferência do Clima (COP-15), em Copenhague, Dinamarca, e pude ver de perto o belo exemplo que a capital dinamarquesa dá ao mundo em relação a formas mais sustentáveis de transporte e mobilidade urbana.

Dados do governo local indicam que 40% da população de Copenhague usa bicicleta para ir ao trabalho ou à escola, utilizando ciclovias que cruzam toda a cidade. Mesmo com a neve que caiu durante alguns dias da conferência, os habitantes não se importaram e continuaram a pedalar. Curioso é que, por lei, em Copenhague, a neve deve ser retirada primeiro das ciclovias, e só depois das pistas para carros. E nas ciclovias de Copenhague circulam mulheres e homens, ricos e pobres, velhos e jovens, operários e executivos.

Nos últimos anos, a prefeitura da cidade investiu mais de US$ 50 milhões na construção de ciclovias e na segurança dos ciclistas. Cerca de 30% da população se desloca com automóveis, 30% usa o transporte público (ônibus, trem e metrô de excelente qualidade) e 40% pedala — um índice que a prefeitura pretende elevar em breve para 50%. Entre os benefícios para a sociedade estão menos poluição, incluindo a sonora, mais saúde e uma maior sensação de segurança. E com a diminuição de carros circulando e estacionados, sobra mais espaço para áreas de lazer, parques urbanos, comércio e outras atividades.

A substituição do carro pela bicicleta é tendência no mundo todo. O movimento ciclista ganhou força nos últimos anos e ajudou a repensar os espaços ocupados pelo carro em metrópoles como Nova York, por exemplo. A secretária de transportes da cidade, Janette Sadik-Khan, vai de bicicleta para o trabalho e criou cerca de 300 km de ciclovias desde 2006.

Jan Gehl, urbanista dinamarquês e um dos responsáveis pela revolução nos transportes de Copenhague, defende que as cidades priorizem ciclistas e pedestres, e afirma que uma boa cidade é aquela em que os moradores têm vontade de sair de casa, estar nas ruas — e não no shopping. Em Brasília faz-se o contrário: é uma cidade que privilegia os carros, e não as pessoas, pedestres e ciclistas.

Para Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, que revolucionou o transporte público naquela cidade, numa cidade moderna o progresso não significa ter mais pessoas usando carros. Nas cidades mais avançadas do mundo, como Zurique e Tóquio, as pessoas quase não usam automóvel. Para ele, uma cidade verdadeiramente avançada é aquela em que os ricos usam transporte público, caminham e vão a parques.

O novo prédio-sede do Ibram está sendo adaptado para os servidores ciclistas, com bicicletário, chuveiros, armários e local para descanso. Também estamos criando alternativas de trilhas em parques e unidades de conservação, como a Trilha da Lua Cheia, realizada todos os meses, à noite, no Jardim Botânico. Recentemente mais de 80 ciclistas participaram de um passeio na Estação Ecológica de Águas Emendadas, em um processo muito rico do ponto de vista de educação ambiental. Sabemos que ainda é muito pouco. Porém, já é uma pequena contribuição para tentarmos inverter a lógica nefasta que ainda impera no transporte em Brasília, e que tantos transtornos e prejuízos têm causado à nossa sociedade.

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